30/06/2011

Trecho de algumas palavras...

    
    "Que foi o instante em que, com sua ajuda, meu corpo e minha alma começaram a aprender a dançar juntos. Então é isso!, pensei. Ou mais ou menos isso. Ou algo parecido com isso. Você me fazia tanta falta, e eu nem sequer sabia. Hoje sei que certas faltas são intransitivas, e que a própria poesia é esse grande oco de sentido, esse grande vão que ela procura respeitar com as palavras. Ao contrário do que muitos pensam, a poesia está justamente ali, naquele lugar que ela própria delineia sem tocar. Na terceira margem do rio. Naquilo que ela não diz. Na divergência e na dúvida.
     Do mesmo modo, acredito que você vá saber ler aqui tudo aquilo que não pude, ou não soube, escrever. Da janela é possível ver o balãozinho de papel (lembro-me bem: quem fez foi o filho da lavadeira)- e ele vai subindo muito serenamente, para muito longe.

                                                                                                         Da sua leitora"

Adriana Lisboa- Carta para você

24/06/2011


                Eu já não ando tanto pelas ruas como de costume, meus pés começaram a se limitar solitários por um mesmo caminho, porque cada vez mais por entre as ruas vejo crianças falando de um amor que não podem ainda sentir, eu vejo menininhas de 11 anos dando suas bocas a primeiros beijos errados. Não consigo ver nessas pequenas crianças a inocência que eu tinha com 11 anos , quando eu ainda brincava feliz de boneca, quando o mundo parecia tão lindo sem a necessidade de usar salto alto e batom vermelho manchando a boca.
                Vejo meninos e meninas jurando amores eternos, fazendo pactos de carne, sonhando com noites de amor, perdendo aos poucos a inocência, se deixando levar por músicas adultas, deixando de lado a vida, a infância que os é reservada. E aí estão as crianças sem infância, que cada vez mais cedo entram no mundo que não as pertence, entregando seus corpos a outros corpos, possuindo em suas mãos não bonecas, carrinhos ou super-heróis, sim copos que destilam vícios, brinquedos que ferem, esperanças que se despedaçam com a chegada de mais um amanhecer do sol.
                E tudo isso me preocupa, me dá medo, vendo que cada vez é menor o intervalo que as gerações vão se tornando piores, mais doentes, menos dispostas a serem curadas. São doenças que ferem a auto-estima, que ferem a liberdade de serem simplesmente que o coração deseja ser, para deixarem de lado precocemente a criança que inevitavelmente precisam ser, para serem pessoas sem faixa etária determinada, sem um sentido, que brincam em terrenos adultos e que tomam sobre seus ombros pesos insuportáveis. Pesos que castigam, que ao invés de adiantarem o tempo, só prorrogam as atitudes que deviam se limitar a infância.
                 São filhos que rebeldes não se limitam aos ensinos dos pais, são filhos de uma infância cada vez mais curta, de uma vida adulta cada vez mais complicada e cheia de desafios. São crianças que precisam por um tempo continuar vendo o mundo como crianças, sentindo as sensações com um olhar inocente, sem malicia, sem meias verdades escondidas.  Meninos e meninas pensando que suas vidas se resumem em basicamente frases prontas, em modinhas premeditadas, em sentimentos que podem ir e vir na mesma intensidade de um pensamento.
                Eis em sua frente a geração que vai revolucionar o seu mundo, com suas ideias quadradas, seus amores que são novos a cada novo mês e como sua ânsia de mudar simplesmente o seu pequeno e catastrófico mundinho. E se falo isso é por conta de uma minoria que se cala, de uma minoria que teve a infância no tempo certo, mas que mesmo assim se deixa calar frente essa maioria que não sabe ter várias vozes, que só muda a cor do cabelo e da roupa, e que querendo ou não, caminha para um mesmo precipício de mentiras, de vidas que são aos poucos destruídas.
                E o mundo sente falta dessas crianças que não são mais adormecidas, são exterminadas de dentro de cada pupila, são assassinadas no maior auge de suas existências.  Faz falta na correria dos dias, nas preocupações menores e nos grandes desafios aquela fé infantil que as coisas vão dar certo. Eu ainda quero conservar em mim aquilo que minha mãe sempre fazia quando eu me machucava, acreditar que um beijo cura e que um assopro pode tirar de mim toda dor, é saber que nas coisas mais simples -e por que não bobas, reside toda a minha segurança, tudo que sou e tudo que posso oferecer como minha real existência.