19/10/2011

mais um

                Tenho aqui folhas e mais folhas em branco, eu sei que preciso escrever nelas, eu quero fazer isso, mas algo prende minhas melhores ideias, os desejos que eu quero compartilhar, as mentiras de sentimentos que não sinto.  Tenho medo das coisas que podem sair, das verdades que eu insisto em esquecer escondidas em cantos secretos nas pontas dos dedos. Sou uma criança com medo de trovões, mas que ama se molhar com gotas avulsas que caem do céu.
                Tenho aqui minha vida, meus sonhos, os planos, os sonhos bobos, tudo isso jogo na mesa, espalho pelos dias, junto com mais um pouco de ciência, porções de sorrisos, lágrimas, erros, vitórias, derrotas, bato no liquidificador e tomo todas as manhãs, na medida certa de um copo de 330 ml. Mesmo assim continuam as folhas em branco, por mais que eu escreva, por mais que eu queria fazer isso, eu preciso das folhas em branco para dar continuidade a essa minha ânsia de fazer da poesia prosa, da prosa minha forma de dar tons e cores ao meu viver elétrico.               
                Tenho aqui as desculpas esfarrapadas que já me ofereceram, e ao lado delas cada pedido de desculpa que eu aceitei, cada perdão que com coração eu aprendi a oferecer de volta, o sistema de dar a outra face que funciona, que no começo era dolorido, hoje se torna afago na face de quem desfere golpes pecadores, palavras sem lisonja, mentiras ignorantes. Entre caminhar com o peso do perdão que eu não quis oferecer ou correr com a liberdade de perdoar, eu fico com o correr para voar. E pego muitas das folhas brancas, as quais anteriormente do lado de cada erro dos outros eu colocava um ponto de interrogação para saber se caberia perdão como resposta, apago o ponto de interrogação, passo firme a borracha no erro e no nome, viro a página e continuo firmando minha confiança mais em Deus, menos em mim. 
                Tenho aqui, ali e lá, pedaços espalhados de quem sou, do que fiz, do que deixei de fazer. Sou sistemática, fui medrosa, deixei de ser chorona. Existam e partam folhas brancas, coração de papel. No canto inferior de cada folha branca eu posso ver uma mancha de sangue que tornou cada folha branca em cor mais alva que a neve.  
               

18/10/2011

entre o sim e o não

                Tenho aqui nas mãos as falhas que talvez você já cometeu. Antes de dormir me cerco de algumas questões que talvez você já teve como suas. Quando acordo tenho a vontade de continuar sonhando, talvez os sonhos que você já sonhou parecidos. Porque o que nos faz diferente, de uma hora para a outra irá nos tornar iguais, pois nem é sempre que os opostos se atraem. Entre o sim e o não, por enquanto hoje, eu permaneço sendo amanhã.
                Mesmo que pareça que minhas palavras corram cansadas e quase sem ar, eu continuo aqui. Continuo assim, deixando as horas passarem simples, vendo o quanto o tempo corre e o quanto eu permaneço, o quanto sou metamorfizada pelas horas que vão passando. E eu gosto de falar sobre o tempo e seu efeito mais profundo que o da força da gravidade. Entre o sim e o não, eu fico com as probabilidades do amanhã, com o efeito ainda desconhecido do tempo, escolho o futuro vivendo o presente.
                Todas as minhas faltas, as minhas necessidades, o meu suprimento, me tornam mais vulnerável ao desapego, mais apressada com tudo que eu posso fazer, não deixar para depois o combustível de cada espera e cada reencontro. Porque eu quero fazer do mundo, seja com suas ruas, praças, vilas e estradas, conhecido aos meus olhos, calçando meus pés com inúmeros idiomas, mas ainda não é a hora. Me limito hoje a ousar e projetar o tamanho dos próximos passos, eu ainda preciso estar pronta para isso, eu ainda preciso ser pronta para acolher no peito o que caberá na visão. Entre o sim e o não, pego forte e abraço o que perto de mim está, sabendo que toda grande muralha antes de ser derrubada precisa ser cercada.
                Entre sim e o não, eu fico com o tchau, não com o adeus, sim com o até logo. Entre o sim e o não, não, não existe talvez, existe espera.   

11/10/2011

carta para um desconhecido

                Bom dia caro desconhecido. Espero que seus olhos ainda consigam ver minha grafia redonda e minhas palavras quadradas. Escrevo no mesmo idioma que você sempre quis, mas não pode escrever. Você é estrangeiro em chão materno, um Zé Ninguém em terra de todo mundo. Desculpe-me, não procurei seu nome no livro de história, eu sabia que sua história não morava ali. Para quem vive sem destino, o céu é página aberta sem fim.
                Nas suas mãos não se encontra mais nada além de calos e uma tatuagem para terminar ano que vem. Seus olhos verdes demais nunca esconderem a tristeza vermelha infantil. Você nunca me convenceu naquelas cartas de antigamente, pois ironia nunca foi sinal de felicidade. E isto é tão engraçado, conhecer suas frases redundantes e nunca ter visto seu rosto, não poder tocar sua alma com um sorriso. Te conheço sem a lembrança de ter sentido os seus olhos sobre mim,porém, já não te reconheceria na rua deserta.
                Não sei, foi estranho o momento que você se despediu de mim, a forma que seu olá foi adeus e eu não consigo lembrar o dia, das folhas espalhadas, da menina que eu era e não sou mais. Repetidamente repetimos as nossas mesmas histórias, eu sinto cheiro de lágrimas em algumas das cartas que você me destinou, você pode ver como eu continuo teimosa e preguiçosa.
                Enfim, você ter amado minha mãe, ter por mim respeito, nos tornou amigos. Fiquei interessada nessa sua maneira tão fácil de transmitir o que se passa por dentro, o quanto você quis, só que eu não fui, gerada de suas entranhas. Hoje, distante do meu pai, nem sei mais se ele ainda respira como você, se algum dia ele quis me chamar de filha, tenho você. Você quem eu nunca vou conhecer, que distante me aproxima das lembranças da minha mãe, me aproxima do homem que de fato amou aquela mulher de corpo frágil e essência puramente forte.
                Hoje aqui com meus filhos sentados nas cadeiras ao redor da mesa, com a bagunça e presença de deles, sei lá, senti uma vontade repentina de saber o som da sua voz, de lhe chamar para conhecer as crianças que lhe chamariam de vovô, que lhe cobririam de risos, abraços, e quem sabe puxões de cabelo. Até que isso seria justo, você sabe da história deles, da alegria de cada gestação, da forma que cada dia me apaixono mais e mais por meu marido.
                Sei que você prefere ser assim, e continuaremos assim, mero desconhecido. Sabe, essas nossas cartas, mesmo nessa época de e-mails e redes sociais, são um desabafo para mim, um alívio saber que tem alguém lendo minha vida, me criticando, fazendo eu me sentir filha. É, hoje acho que resolvi resumir toda a minha onda de sentimentos, sensações e nem perguntei da maneira habitual das primeiras linhas, como vai você?