11/10/2011

carta para um desconhecido

                Bom dia caro desconhecido. Espero que seus olhos ainda consigam ver minha grafia redonda e minhas palavras quadradas. Escrevo no mesmo idioma que você sempre quis, mas não pode escrever. Você é estrangeiro em chão materno, um Zé Ninguém em terra de todo mundo. Desculpe-me, não procurei seu nome no livro de história, eu sabia que sua história não morava ali. Para quem vive sem destino, o céu é página aberta sem fim.
                Nas suas mãos não se encontra mais nada além de calos e uma tatuagem para terminar ano que vem. Seus olhos verdes demais nunca esconderem a tristeza vermelha infantil. Você nunca me convenceu naquelas cartas de antigamente, pois ironia nunca foi sinal de felicidade. E isto é tão engraçado, conhecer suas frases redundantes e nunca ter visto seu rosto, não poder tocar sua alma com um sorriso. Te conheço sem a lembrança de ter sentido os seus olhos sobre mim,porém, já não te reconheceria na rua deserta.
                Não sei, foi estranho o momento que você se despediu de mim, a forma que seu olá foi adeus e eu não consigo lembrar o dia, das folhas espalhadas, da menina que eu era e não sou mais. Repetidamente repetimos as nossas mesmas histórias, eu sinto cheiro de lágrimas em algumas das cartas que você me destinou, você pode ver como eu continuo teimosa e preguiçosa.
                Enfim, você ter amado minha mãe, ter por mim respeito, nos tornou amigos. Fiquei interessada nessa sua maneira tão fácil de transmitir o que se passa por dentro, o quanto você quis, só que eu não fui, gerada de suas entranhas. Hoje, distante do meu pai, nem sei mais se ele ainda respira como você, se algum dia ele quis me chamar de filha, tenho você. Você quem eu nunca vou conhecer, que distante me aproxima das lembranças da minha mãe, me aproxima do homem que de fato amou aquela mulher de corpo frágil e essência puramente forte.
                Hoje aqui com meus filhos sentados nas cadeiras ao redor da mesa, com a bagunça e presença de deles, sei lá, senti uma vontade repentina de saber o som da sua voz, de lhe chamar para conhecer as crianças que lhe chamariam de vovô, que lhe cobririam de risos, abraços, e quem sabe puxões de cabelo. Até que isso seria justo, você sabe da história deles, da alegria de cada gestação, da forma que cada dia me apaixono mais e mais por meu marido.
                Sei que você prefere ser assim, e continuaremos assim, mero desconhecido. Sabe, essas nossas cartas, mesmo nessa época de e-mails e redes sociais, são um desabafo para mim, um alívio saber que tem alguém lendo minha vida, me criticando, fazendo eu me sentir filha. É, hoje acho que resolvi resumir toda a minha onda de sentimentos, sensações e nem perguntei da maneira habitual das primeiras linhas, como vai você?

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