19/05/2011

Eu que precisei dizer adeus

Um dos meus raros contos, se assim posso chamá-lo. 

            Eu tinha para ele toda uma vida, minha mais fiel cumplicidade e um filho nosso se formando dentro de mim, porém de repente precisei lhe dizer seu último adeus. Tenho a certeza de que seus olhos se fecharam na certeza que o amei na intensidade mais pura e real do amor.
            Vivíamos um amor de leituras de jornais durante o café da manhã, de cafés com pouco açúcar e rotinas envolvidas com pequenas surpresas românticas. Eu espalhava bilhetinhos pela casa só para ver em seus olhos o renascer de uma criança curiosa. Ele com sua segurança envolvida com uma paciência que em mim nunca existiu. A gente se completou de uma forma que muita pessoas não conseguem durante anos e várias bodas de casamento, acho que foi por isso que ele partiu tão cedo.
             Desde o nosso primeiro olá tudo era intenso, os abraços eram cada dia mais necessários, eu aprendi a sorrir por conta de imaginá-lo comigo como amigo e amor, para sempre do meu lado. No dia que falei o famoso até que a morte nos separe eu pude perceber o quanto eu amava aquele cara com jeitão de menino, mas que ao meu lado me fazia sentir mais mulher. Por ele valia a pena usar salto alto, vestido novo e cortar o cabelo, pois ele sempre reparava essas coisas. Só que ele não era perfeito. Era preguiçoso e não sabia fritar ovo, arrumar uma mala e fazer pipocas. Tinha a mania esquisita de colecionar papéis de balas.
            Quando o conheci, algo dentro de mim me tornava tão tímida, que eu não ousava nem lhe dizer olá. Mas, seu sorriso era um misto de enigma e poesia sem rima, e sem querer eu já estava envolvida em sua música e palavras. Foi dele que partiram nossos inícios. Nosso primeiro olá, nosso primeiro encontro, o nosso primeiro beijo que eu nunca vou esquecer. Ele conseguiu deixar aquele dia chato e chuvoso em ensolarado e alegre, depois daquele beijo eu queria só provar o gosto daquela boca, só o perfume dele conseguia me deixar arrepiada. E até sem ar.
            Hoje eu ainda olho para o lado da cama que ele preferia, porém no qual eu dormia, como não sendo mais meu. Parece que mesmo eu dormindo lá, é lá que habita o cheiro e as lembranças dele. Ás vezes ainda acordo e procuro o pé dele para esquentar o meu, só que a única coisa que esquento é a lembrança e a saudade.
            Nossa, vê-lo partir me trouxe medo de que eu não conseguisse mais suportar a falta que ele causaria nas ligações de 30 segundos para saber se tudo estava bem, no quarto, na sala. Se algum dia ficamos distantes mais que uma semana eu não consigo lembrar, agora estaríamos um sem o outro por muito tempo. No entanto, eu tinha dentro de mim alguém que não ocuparia o vazio no peito que ele deixou, mas preencheria meus dias com alegrias e boas lembranças. Ele partiu sem conhecer, todavia, amando o nosso filho.
            Uma vida precisa e dependia de mim, a morte bateu na porta só que eu não atendi, ele como sempre quis saber quem insistia em perturbar sua inconstante paz. Um bala sem papel e sem pertencer a ele veio de encontro ao coração que batia para iluminar meus dias. Sem um último beijo precisei lhe dizer adeus entre lágrimas e indignação.
            Ao mexer na lembranças que ele deixou pela casa encontrei músicas compostas sem final, alguns poemas que ele tinha vergonha de me mostrar e o papel da bala do nosso primeiro beijo. Quando coloquei aquele papel perto de meu nariz relembrei daquele cheiro, aquele gosto invadiu todo meu ser, então precisei chorar lágrimas de pura saudade. Do nosso primeiro beijo ao nosso último “tenha um bom dia, meu amor” passamos 5 anos, 3 meses e 23 dias.
            Cinco anos, quatro meses e quinze dias depois nasceu nosso único filho. Um lindo e frágil menino, com olhos amendoados iguais ao do pai e na pequena boca guarda as mesmas covinhas que surgiram quando o pai sorria.
            Hoje, nosso filho está completando um ano e três meses e me disse “eu amo o papai”. Segurei as lágrimas, pois eu preciso ser forte para ele, porém o abracei com muita força e lhe disse: “filho ele sempre te amou, nunca se esqueça disso”. Agora eu percebi que acertei em dar ao nosso filho o mesmo nome do pai, pois além da cor, ele tem nos olhos o mesmo brilho que o pai tinha quando me via chegar.
            Ah, hoje meu pequeno descobriu a coleção secreta de seu pai, mas ainda é cedo demais para dá-la a ele, uma vez que como eu achava, para ele é apenas um monte de papel engraçado.

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